50 anos de Revolução Cubana: Entrevista com Aleida Guevara
Carolina Beal
editor@braziliannews.uk.com
Foi no dia 1 de janeiro de 1959 que o Coronel Fulgêncio Batista acabou expulso de Cuba e, depois de anos de embate, jovens revolucionários tomando o poder, instaurando o socialismo na ilha. Deste momento em diante, as mudanças promovidas no país ecoaram pelo mundo polarizando opiniões acerca do governo de Fidel Castro. No entanto, uma coisa é certa: depois de 50 anos, a revolução ainda permanece reavivada por muitos grupos políticos, que vêem no exemplo de Cuba uma alternativa para o capitalismo imposto por grandes potências.
Em Londres, diversos eventos têm tomado conta de parques e centros culturais, promovendo e celebrando a cultura cubana e expondo um dos lados da Cuba Socialista: cheia de música, alegria do povo e com uma medicina exemplar. Dentre um destes eventos, a filha de Che Guevara falou uma platéia acerca do socialismo cubano. Pediatra cubana, Aleida Guevara March é a filha mais velha do revolucionário e sua segunda esposa, Aleida March. Com 46 anos e duas filhas, Aleida é militante do partido comunista e em suas palestras tem a intenção de divulgar um pouco da experiência do país. Na entrevista que concedeu ao Brazilian News, Aleida expõe suas convicções de maneira firme e clara, ainda que mantendo uma simpatia extremamente amável.
BN: Qual a importância de ter um evento como este, relembrando os 50 anos de revolução cubana, em uma cidade como Londres, conhecida por ser uma capital financeira do capitalismo?
Aleida Guevara: Quando existe a solidariedade entre os povos, as coisas marcham, caminham, andam e isto é que é importante para nós. Dizia José Martín, grande cubano do século XIX, que o homem que é capaz de ver as virtudes de outros homens é porque as carrega em si mesmo. Se há pessoas que defendem a revolução cubana, que são solidárias com o povo cubano, é porque sentem como nós. Então isto nos faz muito bem, porque nos sentimos mais acompanhados em um largo caminho para criar um mundo diferente. Não importa onde estas pessoas estejam.
BN: Eu vi muitas entrevistas suas à mídias brasileiras. Você vai bastante ao Brasil, não?
Aleida Guevara: Sim, porque trabalho muito com o Movimento dos Sem-Terra no Brasil; são meus irmãos. Para mim, é o movimento social mais importante da América Latina neste momento, sem dúvida nenhuma. Por sua integridade, por sua coerência, por seu trabalho solidário com outros movimentos. Porque se este movimento um dia pudesse chegar ao poder no Brasil, um outro mundo real existiria para nós, te asseguro.
BN: Esta semana no Brasil foi aprovada a Medida 458 que regulariza a situação de antigos grileiros na Amazônia. O que pensa sobre isto?
Aleida Guevara: Sim, a Amazônia é um problema sério. Estive agora na Amazônia, no Fórum Social Mundial no Pará e me senti realmente muito mal, porque me dei conta de quantas coisas passam em nossos próprios narizes que não somos capazes de racionalizar a tempo. A Amazônia não é somente o Brasil. A Amazônia é o pulmão do planeta. Estamos falando da sobrevivência da raça humana. Então é muito vergonhoso se dar conta de que existem pessoas que ignoram totalmente isto e que subestimam nossa terra e subestimam nossos homens e mulheres e, além do mais, não respeitam algo muito importante, que são aqueles que cultivam nossas terras. Se há algum dono da terra, se pudesse haver algum dono da terra, seriam aqueles que realmente produzem para o benefício de outros homens e não somente para se enriquecer, tratando de destruir esta terra.
BN: Há algum tempo atrás, se falava na morte do socialismo, sendo Cuba um lugar único onde o regime ainda persiste. Agora com a crise financeira, que traz um descrédito ao sistema capitalista, não te parece que se resgatam alguns valores deste socialismo?
Aleida Guevara: Olha, há mais de 200 anos de capitalismo e quase 80% da humanidade vive com sérios problemas econômicos. Isto significa que este sistema não resolveu o problema da grande maioria. Portanto, é obrigatório buscar alternativas. O socialismo pode ser uma alternativa. Eu, que vivo em um país socialista, posso te assegurar que realmente é válida esta alternativa. Agora, os povos devem decidir por si mesmos, ninguém pode impor a outro povo o que foi feito em seu país e nem o que se pode conseguir com esta experiência. As pessoas têm que olhar ao seu redor e, baseados em informações adequadas, tomar suas próprias decisões. Mas se você perguntar para mim, eu creio que sim, que o socialismo pode ser o futuro do nosso mundo.
BN: Mas você acha que a crise possibilitou rediscutir as opções do mundo?
Aleida Guevara: Eu penso que a crise do capitalismo é natural, já que é um sistema em decadência. Por isso, precisam-se buscar alternativas. A alternativa que buscamos é uma sociedade em que as pessoas não queiram ter cada uma seu automóvel, mas que lutem por ter um transporte público digno que resolva o problema da comunidade. Então com um só automóvel emitindo gases ao meio ambiente, resolvemos o problema de muitos e não um automóvel por cada pessoa. Outro sério problema no capitalismo atual é o fato de que se está utilizando alimentos para fazer biocombustíveis. Se você se perguntar “está resolvido o problema da fome no mundo?”, vai saber que não. Então como se pode usar o alimento de um ser humano para ser convertido em combustível? Isto é totalmente absurdo. É preciso pensar de outra maneira e uma forma é ser socialista.
BN:Você acha que a América Latina tem mudado neste sentido?
Aleida Guevara: Sim, mas não o que necessitamos. Os únicos países da América Latina com importantes mudanças são a Venezuela e a Bolívia. O Equador está tentando, mas no entanto não são mudanças importantes. E temos o absurdo que acabaram de fazer com Honduras: um país que começava a buscar alternativas reais foi tomado por militares corruptos a serviço de estrangeiros. Então o que fazemos em frente a isto? Porque o presidente de Honduras foi eleito pelo povo e isto é a democracia, não? Então como é possível que viremos às costas para estes feitos? Como é possível? Não entendo a atitude de pessoas que não condenem energicamente esta situação.
BN: Nas últimas semanas, o presidente do Brasil Luis Inácio Lula da Silva esteve reunido aqui na Europa com os países do BRIC, discutindo aspectos principalmente comerciais. Você acha que o Brasil tem cumprido um papel importante na América Latina em relação aos seus vizinhos?
Aleida Guevara: Eu acho que o Brasil poderia se voltar muito mais para o nosso povo. Realmente, ele não é nada do que eu esperava e não é nada do que nós todos necessitávamos. Ao Brasil falta muito para o que nós consideramos unidade latino-americana de verdade. É por isso que eu voto pelo movimento dos sem-terra no Brasil e penso que com um movimento deste tipo realmente as coisas mudariam.
BN: Como tem visto o governo de Lula?
Aleida Guevara: Atualmente, temos boas relações como país, Cuba e Brasil. Depois que Lula assumiu as relações são estáveis, são de respeito, são de amizade. No entanto, estas relações não são suficientes. O gigante latino-americano que é o Brasil teria que participar mais ativamente de uma transformação social do nosso povo, começando por ele mesmo, que é um dos países mais ricos do mundo, mas que possui crianças passando fome. Isto é uma coisa imperdoável! Quando existe uma terra tão fértil, onde qualquer coisa que você planta, vinga, este tipo de coisa não é aceitável! Isto só significa que não estamos trabalhando tudo o que se poderia.